Prefeito
Joacy Alves dos Santos Júnior
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Reminiscências
No Olho D'água, acordava ao quebrar da barra com o galo cantando, as vacas mugindo e os pássaros saudando o nascer da alvorada. Sentia vindo da cozinha o cheiro do café fresquinho que inundava toda a casa com aquele aroma. Ainda meio sonolento via a figura do meu pai, coando o café no fogão a lenha.
Tenho saudades do meu pai, Joacy de quem herdei o nome. Sinto falta daquele homem humilde e de hábitos simples, de quem eu não largava os calcanhares. Éramos inseparáveis. Sempre grudado a ele, onde quer que fosse, lá estava eu. Ele e a sua rural verde escuro, ano 75. Se fechar os olhos, ainda sinto que posso vê-lo, usando blusa de poliéster e calça de tergal, cosidos por mamãe.
Tempos difíceis, no entanto. Eu como era apenas uma criança, me divertia muito. Despertava cedinho para buscar água no açude para as tarefas da casa, sentado entre as ancoretas no lombo de Colchete. Tempos onde a minha batalha mais parecia com a de "Dom Quixote", fazendo gigantes de moinhos, eu também em um Rocinante. Montava no jumento Relógio que para mim era um Alazão e corria entre os lageiros armado com uma baladeira e um bornal no ombro, à caça de passarinhos.
Tempos onde os dias passavam de mansinho, feito orvalho na madrugada. Nas manhãs de inverno, levantava cedinho com o amanhecer da aurora para cuidar da lida (palavras do meu pai), precisava preparar o arado e cultivar a terra ainda molhada para a plantação. Ao entardecer, ao norte, nos fundos da nossa casa, o sol pintava o céu de vermelho e alaranjado, cor de laranja dourado, mais parecia que o sol engolia o céu num grande espetáculo da natureza. Era uma verdadeira obra de arte.
Eu parecia uma pipa que voa livre, vivia correndo entre os morros: morro agudo, morro da sala e morro da cozinha, nomes dados por nós mesmos devido à sua localização. Mal sabia eu que as brincadeiras de bola de gude, pião, pega-pega e esconde-esconde, com os meus amigos no terreiro da minha casa, estavam com os dias contados. A vida me preparava uma grande emboscada.
23 de junho de 1989. Meu mundo desabou.
Papai morreu.
E assim, como por encanto, tudo mudou...
São recordações penosas. Quanto o coração de uma criança pode suportar? Eu não queria acreditar que não teria mais meu pai me guiando, que não poderíamos mais caminhar. Nosso tempo nos foi roubado. São lembranças duras e difíceis de suportar, confesso que para superar tive de sufocá-las.
O que mais me dói, ainda hoje, são os momentos felizes da minha infância que precisei apagar pra conseguir recomeçar. Tocamos a vida, eu, mamãe e meus irmãos, tentando nos ajustar a nova situação, superar aquele trauma. Infelizmente, em 18 de agosto de 1989, ainda diante de tamanha perplexidade, nem bem fazia um mês da morte de papai, meu avô paterno, Justino, vêm a falecer.
Na minha inocência de criança eu não compreendia o motivo de tanta tragédia, a morte nos rondava e parecia que a vida queria maltratar a nós todos. Em 7 de abril de 1990, nova fatalidade, meu irmão Jorge, com 21 anos de idade, faleceu em um acidente de carro. Depois disso, mamãe e eu fomos morar na cidade, onde continuei meus estudos. Toda aquela alegria que existia, nada mais restou. Apenas Mauro, meu irmão, continuou por lá. Alguns anos depois fui para Fortaleza, morar com meus irmãos e me preparar para o vestibular.
Nunca entendi por que tanta crueldade, tanta judiação. Deus, quem dera eu pudesse dizer que tinha acabado. No ano de 2003, em 30 de outubro, Jocyara, minha irmã, também nos foi tirada. Foi mais um golpe e novamente tivemos que nos reestruturar.
Ironias da vida, é com certo pesar que faço minhas as palavras de Drummond, "e eu que não sabia que a minha história era mais bonita do que a de Robson Crusoé.”
Talvez o destino tenha resolvido me dar uma trégua. Senti, na verdade, que minha vida ganhou novo sentido com o nascimento do meu filho, João Lucas, quem me deu forças para passar por grandes tempestades e nunca deixar o barco afundar. Continuei estudando até me formar e depois voltei para Jaguaribara, de onde não mais me ausentei.
Como dizia o meu pai: “A honra de um homem é a sua palavra”.
Sei que ser prefeito de Jaguaribara é um grande desafio. Sei também, que não será fácil, há anos que a nossa cidade vem sofrendo grandes descasos, verdadeiras negligências com a saúde, educação e segurança, não temos o mínimo para viver com dignidade. Quero uma cidade onde as crianças possam brincar e estudar, onde os jovens tenham o direito de sonhar. Uma cidade da qual os jaguaribarenses não sejam forçados a se ausentarem para conquistarem uma vida digna. É aqui que pretendo morar com a minha família e educar o meu filho.
Joacy Júnior.